sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Manifesto em repúdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal


Vimos por meio deste, manifestar nosso repúdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal e exigir que providências sejam tomadas por parte das autoridades competentes.

Concretamente, apontamos a comunicação social portuguesa e a forma como, insistentemente, tem construído e reproduzido o estigma de hipersexualidade das mulheres brasileiras. Este estigma é uma violência simbólica e transforma-se em violência física, psicológica, moral e sexual. Diversos trabalhos de investigação, bem como o trabalho de diversas organizações da sociedade civil, têm demonstrado como as mulheres brasileiras são constantemente vítimas de diversos tipos de violência em Portugal.

O estigma da hipersexualidade remonta aos imaginários coloniais que construíam as mulheres das colônias como objetos sexuais, escravas sexuais, e marcadas por uma sexualidade exótica e bizarra. Cita-se, por exemplo, a triste experiência da sul-africana Saartjie Baartman, exposta na Europa, no século XIX, como símbolo de uma sexualidade anormal. Em Portugal, esses imaginários coloniais, infelizmente, ainda são reproduzidos pela comunicação social.

Teríamos muitos exemplos a citar, mas focaremos no mais recente, o qual motivou um grupo de em torno de 140 mulheres e homens, de diferentes nacionalidades, a mobilizarem-se, a partir das redes sociais, para escrever este manifesto e conseguir apoio de diferentes organizações da sociedade civil. Trata-se da personagem “Gina”, do Programa de Animação “Café Central” da RTP (Rádio Televisão Portuguesa). A personagem é a única mulher do programa, a qual, devido ao forte sotaque brasileiro, quer representar a mulher brasileira imigrante em Portugal. A personagem é retratada como prostituta e maníaca sexual, alvo dos personagens masculinos do programa. Trata-se de um desrespeito às mulheres brasileiras, que pode ser considerado racismo, pois inferioriza, essencializa e estigmatiza essas mulheres por supostas características fenotípicas, comportamentais e culturais comuns. Trata-se de um desrespeito a todas as mulheres, pois ironiza/escarnece sua sexualidade, sua possibilidade de exercer uma sexualidade livre, o que pode ser considerado machismo e sexismo. Trata-se, ainda, de um desrespeito às profissionais do sexo, pois ironiza o seu trabalho, transformando-o em símbolo de deboche/piada/anedota, sendo que não é um trabalho criminalizado em Portugal, portanto, é um direito exercê-lo livre de estigmas. No anexo 1 desta carta estão: o vídeo de um dos episódios (na versão on-line), e a transcrição de um dos episódios, bem como, a imagem dos personagens (na versão impressa). Destacamos que o fato é agravado por se tratar de uma emissora pública, a qual em hipótese alguma deveria difundir valores que ferem o direito das mulheres e da dignidade humana.

Além deste caso que envolve a televisão, existem muitos outros em revistas, jornais e publicidades, que exemplificam a disseminação do estigma em vários meios de comunicação de massa e cujos exemplos seguem em anexo. Seja qual for o meio de comunicação utilizado, é constante a representação estereotipada da mulher brasileira como objeto sexual, o que acaba por interferir na forma como as imigrantes brasileiras são percebidas e tratadas dentro da sociedade portuguesa. 

-Anexo 2: a capa da Revista Focos, edição 565/2010, a qual apresenta as mulheres brasileiras como sedutoras e as representa com uma imagem cujo destaque é a bunda;
-Anexo 3: a reportagem do Diário de Notícias, edição do dia  26/06/2011, sobre o movimento SlutWalk Lisboa, a qual descontextualizou uma imagem, acabando por reforçar os estigmas contra a mulher brasileira, fazendo exatamente o contrário do objetivo do movimento;
-Anexo 4:  publicidade do Ginásio Holmes Place- Health Club, atual, sobre uma modalidade de aulas intitulada “Made in Brazil”, a qual é representada por uma imagem cujo destaque é a bunda;
-Anexo 5: publicidade da Agência de Viagens Abreu, na Revista B de Brasil, edição inverno de 2001, cuja a imagem do Brasil é uma mulher e a mensagem da publicidade é uma referência direta aos descobrimentos e a disponibilidade, aos portugueses, do que havia e há no Brasil.
-Anexo 6: episódio do programa de humor "Mini-Malucos do Riso", da SIC, no qual afirmam que no Brasil só há prostitutas e futebolistas.

Exigimos, das autoridades competentes, que se faça cumprir a “CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres”, da qual tanto Portugal, como o Brasil, são signatários. Destacamos, também, o “Memorando de Entendimento entre Brasil e Portugal para a Promoção da Igualdade de Gênero”, no qual consta que estes países estão "Resolvidos a conjugar esforços para avançar na implementação das medidas necessárias para a eliminação da discriminação contra a mulher em ambos os países".

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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Corpo des-mapeado

“Corpo des-mapeado” é um corpo mutante e criativo com sentidos mais aguçados a tudo que o cerca. Ele tenta trabalhar como um todo, fugindo desta maneira da frag- mentação que lhe é prometida a todo instante. Um corpo que estranha-se e brinca com suas vestimentas, usando-as quando acha que é necessário, como também, ao transmutar-se, deixa-as no caminho para serem vestidas por outros corpos. Este corpo tenta encontrar atalhos para seguir desviando-se dos cami- nhos principais, mas muitas vezes utiliza-os como ferramenta afim de chegar a algum lugar onde possa dialogar, vivenciar e inventar novas rotas.

A viagem

Há sete anos atrás, numa viagem turística com minha família, conheci Portugal e encantei-me pela antiga, cinzenta e bucólica cidade do Porto. Apesar de nunca ter estado naquele lugar, as águas do rio Douro trouxeram-me memórias de infância, como toda a atmosfera da cidade fazia-me um convite a uma viagem mais íntima e subjetiva comigo mesma. Vol- tei para o Brasil e depois de quatro anos decidi voltar ao Porto com objetivos mais práticos, estudar e especializar-me na área que então trabalhava, o design gráfico, como também ter a experiência de morar e conhecer outros lugares e pessoas. Posso dizer que a experiência trouxe um retorno àquela rápida e profunda relação que tive com esse lugar, apresentando-se, desta vez, como uma viagem mais interna do que propriamente externa, senti-me mais eu, mais Janaina.

O discurso corporal...





Agindo como a própria arte, o corpo apresenta-se como ato único, deixando-se de lado a objetivação, construindo assim um discurso diferente do textual. É como na dança em que muitas vezes ironiza-se com o peso das palavras ou o ato de interpretação, ao desenhar seu próprio discurso.

Sardinhas, Intervenção Urbana no Porto


“Sardinhas” é uma intervenção com sticks na cidade do Porto que aconteceu na tradicional festa de São João. A cidade fica toda colorida, o cheiro de sardinha toma as ruas, sons dos martelinhos de plástico começam a ressoar, guloseimas de vários tipos são vendidas e a cidade prepara-se para assistir o espetá- culo de fogos de artifícios que acontece na Ribeira, local turístico da cidade. O trabalho utilizou um dos símbolos da festa, a sardinha. Segundo o historiador Hélder Pacheco (2011), as verdadeiras origens da festa estão intimamente ligadas ao culto do sol, da natureza, do fogo e da fecundidade, sendo assim uma festa de origem pagã, dedicada ao solstício de Verão. Os sticks foram fixados na área onde tradicional- mente há anos acontece a festa, na Ribeira. Os formatos de sardinhas coloridas escondem um embalado corpo nu feminino. Corpo este que faz referência às simbologias pagãs primárias da festa, porém, é um corpo feminino que embalado parece infértil, mas que ao ser fixado em painéis de propaganda tenta libertar-se. Acontece um diálogo entre um mundo tradicional e primário e a propaganda, linguagem moderna já tão comum no nosso quotidiano. As intervenções foram realizadas com outras pessoas ad- quirindo uma produção coletiva, em que surgiram diálogos e impressões diversas que enriqueceram o trabalho.

Arte urbana

A arte de rua mexe com a normativa da experiência urbana para permitir um questionamento mais amplo do modo como as coisas são. Este é o espaço da dúvida e do exame em que opera a arte pública não encomendada.



Imagem por encomenda



Este trabalho foi realizado utilizando-se do espaço público como suporte criativo. Sticks, adesivos uti- lizados em intervenções urbanas, com a imagem de dois corpos femininos nus emplastificados foram colados em diversos locais da cidade do Porto, Lisboa e Madrid. Sem tempo definido, sendo produzido de maneira espontânea a pequena imagem intervém em publicidades, em vitrines comerciais, como também em sinalizações no meio urbano. A idéia partiu do conceito de estereotipo, em que imagens do outro são construídas pelos meios de comunicação de massa influenciando no palpável quotidiano social. Esta experiência foi formulada juntamente com outras pessoas, fazendo parte de uma iniciativa do coletivo artístico Escola Livre de Arte Subversiva - ELAS, do qual faço parte no Brasil.


A imagem fictícia pode ir além de influenciar a realidade, transformar-se na própria realidade, é o que acontece por exemplo na publicidade e nos media. Neste trabalho, na medida em que vai-se construindo um diálogo com a cidade e suas simbologias, o discurso expande-se e dialoga com a rua que oferece imensas informações. Inserindo-se dentro do universo das artes de ruas, utiliza-se destes espaços como principal suporte criativo.

Refugiar-se...



“Refugia-te na Arte” diz-me Alguém

“Eleva-te num vôo espiritual,

Esquece o teu amor,

ri do teu mal,

Olhando-te a ti própria com desdém. (...)


Florbela Espanca